Um dia sonhei-nos

Era já de madrugada em mais uma das noites que não me deixavam dormir, quando me voltei para o teu lado e constatei o óbvio - não estavas lá há um ano e meio. 

Cerrei os olhos desta vez, num suspiro interminável e desejoso de te sentir o cheiro da barba ou o calor das tuas mãos que me seguravam todas as noites. 

Hoje parecias estar lá de novo e quase ouvia o calor da tua respiração na minha cara. Estavas voltado para mim quando me inclinei para ti. Beijei e beijei, interminavelmente, num beijo do tamanho da minha saudade e, passados tantos meses, finalmente libertei-me do pesar que me agrilhoava à própria vida, à própria cela. 

Sussurrei-te que jamais te deixaria ir, enquanto passava o dorso da mão na tua barba. O dorso, sim, como sinal de respeito. A parte mais limpa e pura da mão. Tu inclinavas a cara e recebias esse carinho e sei que, mesmo no escuro, sorrias. Eu conseguia sentir que sim. 

Recordámos todos os momentos, que nos passavam na escuridão como na tela de num cinema. O primeiro beijo, o primeiro lanche a ver o rio e todas as outras refeições - pequenos almoços, almoços e jantares - as viagens, os banhos em conjunto. Ouvia ainda o som da porta a abrir quando, sem a fechar,  corria para ti debruçando-me nos teus ombros à procura do teu abraço que me deixava suspenso.

Também recordámos as discussões, os choros e o abandono. Tão mal nos tratámos... 

Infelizmente decidimos deixar morrer uma planta que estava frágil, mas que podia viver. Todas as promessas de um futuro promissor foram abafadas por discussões e suspeitas. 

Agora olhávamos para a begónia pintalgada dessa mesma casa que partilhámos. A única que tenho, porque decidi desfazer-me de tudo o que me lembrasse de ti. 

Engraçado que há uns meses atrás tinha decidido que a begónia tinha morrido, mas por pena, deixei-a mais uma e outra semana. Ela não concordava com esse fado. 

Reguei os seus ramos secos quase por teimosia e adubei a terra. Um dia de manhã, ao ir buscar a toalha do banho que secava com a primeira luz do sol, lá estava um rebento e, depois, uma folha quase microscópica a querer procurar o mesmo sol que banhava a roupa do estendal. 

Poderíamos nós ainda cuidar da nossa relação, como fiz com a begónia, perguntava-te eu. Poderíamos cortar os galhos castanhos e, daqui a uns anos, apreciar a sombra da árvore que tínhamos replantado, perguntavas-me tu. 

Na escuridão silenciosa ouvi o teu suspiro. Um suspiro que não sabia se era de dúvida, de tristeza ou, pior, de irreversibilidade. 

Enquanto me escorria uma lágrima na face e os meus lábios diziam o teu nome, Luís, abri os olhos.

Procurei-te, mas rapidamente percebi que tinha sonhado contigo uma vez mais.

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