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A menina dos olhos verdes

Sob um guarda chuva escuro e grande, Nos abrigavas,  Mais ou menos metaforicamente, E quando a sua aba se erguia, Fitavas-me, Num olhar semi-cerrado, Desconfiadamente.  Jovem e incerta de futuros Indagavas, Com esses teus lindos olhos verdes Os mapas das terras que descobrias,  E os muros que de rompante derrubavas, Corajosamente. Ansiava eu somente, Poder fruir  Da luz que neles insidia, Tornando-os verdes, E contrariando a escuridão, Intensa,  Mas delicadamente.  As palavras que da tua boca saiam, Tão eloquentemente, Pairavam como poemas em flor Que ostentavas no cabelo aos caracóis, Orgulhosamente. Mesmo sem te conhecer, Percebi, inequivocamente, Um poder que detinhas Nesse teu sorriso, Naquele em que me lavei de magias, Assim, intensamente. Esses olhos que vi outrora, Raiam-se de sangue, Ardentemente, Noutro verde semelhante, Mais garrido e voraz Mas não menos surpreendente. Os mesmos que sempre procuro, Hoje navegam, Entre prados de sentimentos,  ...

Sustenido

Não sei bem qual a primeira memória que tenho da minha irmã, mas lembro-me dela sempre como um exemplo a seguir. Talvez a flauta castanha. Recordo-me que eu era plateia assídua dos treinos de partituras, ambos sentados na cama dos nossos pais.  A família não tolerava aquelas escalas e repetições infindáveis, muitas vezes com notas agudas que ela expunha com orgulho. Mas eu estava ao lado dela, onde sempre estive, apesar da sua cara de nojo ao mudar-me as fraldas. E sempre que ela me perguntava se a melodia soava bem eu dizia que sim, porque assim o achava verdadeiramente.  Talvez aqueles calções de lycra rosa, que não deviam ter sido engomados, mas para sua tristeza foram, que ela usava com tanto orgulho, marcando umas pernas fortes de uma adolescente que pedalava depressa a velha bicicleta, porque assim pedia o seu irmão.  Eu era esse irmão, sentado de lado, extasiado, a sentir o calor e o frio do ar, ouvindo as nossas gargalhadas e acenando ao senhor da garagem que mene...

Um dia sonhei-nos

Era já de madrugada em mais uma das noites que não me deixavam dormir, quando me voltei para o teu lado e constatei o óbvio - não estavas lá há um ano e meio.  Cerrei os olhos desta vez, num suspiro interminável e desejoso de te sentir o cheiro da barba ou o calor das tuas mãos que me seguravam todas as noites.  Hoje parecias estar lá de novo e quase ouvia o calor da tua respiração na minha cara. Estavas voltado para mim quando me inclinei para ti. Beijei e beijei, interminavelmente, num beijo do tamanho da minha saudade e, passados tantos meses, finalmente libertei-me do pesar que me agrilhoava à própria vida, à própria cela.  Sussurrei-te que jamais te deixaria ir, enquanto passava o dorso da mão na tua barba. O dorso, sim, como sinal de respeito. A parte mais limpa e pura da mão. Tu inclinavas a cara e recebias esse carinho e sei que, mesmo no escuro, sorrias. Eu conseguia sentir que sim.  Recordámos todos os momentos, que nos passavam na escuridão como na tela de...

O mar, o céu e as gaivotas

Céu azul e chão oscilante, Naquela feliz e desenevoada tarde Em que o sol brilhava, incandescente, Como a maior estrela do Universo. Será? Suado, no meu andar tímido, Praticava na minha imaginação um diálogo, Um discurso ensaiado que repetia para mim Faltava-me confiança Para navegar para um novo mundo E a falha não era uma opção. O mar da vida, na sua bravura, Tinha decepado todos os portos, Naufragado todos os barcos E com eles, todas as esperanças, Ou quase todas. Restavam apenas o mar, o céu e as gaivotas. As sandálias escuras rasaram a relva seca, Num som quase metálico, Firmando o chão que deixara de ser oscilante. Lá no fundo do jardim, ele aparecera Sentado, a fitar-me, Com um olhar banhado em esperança E uma lágrima do mesmo sal Do mar em que naufragara. O primeiro instante passou a horas Neste mar calmo e promissor Que aceitara navegar,  Mesmo ainda sem barcos ou jangadas. Demos a mão e saltámos juntos.  Nos seus olhos vi o horizonte No seu beijo, vi o futuro No seu ...